Cátia Mateus tem 19 anos, está a estudar Dietética e Nutrição e é a nova Rainha das Vindimas de Portugal. O Correio de Azambuja esteve à conversa com a jovem, representante de Vila Nova da Rainha, e publica agora a segunda parte da entrevista, resumida na edição de setembro do Correio de Azambuja.
CA: Tens alguma ligação à vitivinicultura?
CM: Não. Comecei a ter no meu curso, e espero a partir de agora ter uma grande ligação, porque eu gostei imenso [da experiência].
CA: Como te sentiste quando disseram o teu nome lá na final, em Peso da Régua? Estavas à espera de ganhar?
CM: Não, não estava. Aliás, quando disseram o meu número, fiquei muito séria a olhar, nem sequer avancei. Foi um grande choque e foi uma grande sensação de alegria e de conquista, principalmente, porque eu consegui provar que eu consigo fazer as coisas, e que eu tenho capacidades. Foi quase como uma vitória interpessoal.
CA: Em todo este processo, ou seja, desde a eleição na freguesia, até à eleição na final nacional, o que aprendeste ao longo deste tempo todo?
CM: Aprendi, para além das questões técnicas da produção do vinho, também que o vinho é para lá de uma mera bebida. É todo um processo sensorial, de história. Por exemplo, o vinho, para mim, começa a partir de ‘beber’ o rótulo, e nunca tinha tido esse cuidado. Era muito raro beber vinho, aliás. Agora vejo sempre o rótulo, e nele conseguimos perceber muito sobre o vinho em si antes de o provar. Para além disso, aprendi imenso sobre a história do meu concelho. Quando estudamos História na escola, ela está muito focada nas grandes cidades, Lisboa, Porto, Algarve… não sabia que as cidades mais pequenas tinham tanta história. Aprender mais sobre o meu concelho foi uma grande reviravolta porque eu agora olho e penso ‘este concelho tem tanta história’, desde relações com os Descobrimentos, Cristóvão Colombo ter avisado D.João II que chegou à Índia (na realidade América) em Vale do Paraíso, desde a primeira escola aeronáutica militar, ser aqui em Vila Nova da Rainha, entre outras coisas que eu fui descobrindo, e ver que, afinal, o nosso país tem muito mais história do que imaginamos, só que, infelizmente, não é passada nas escolas. E aprendi também sobre mim. Descobri que sou uma pessoa tranquila. Sempre me senti muito à vontade com públicos grandes, mas não com públicos pequenos. É estranho, eu sei, mas nunca pensei que fosse capaz de falar para um público tão grande e descobri que tenho um ‘à vontade’ enorme para isso, não fazia ideia. Na escola, é para a turma, conheço as pessoas, é diferente, agora para um público tão grande, com pessoas que não conheço, não fazia ideia que tinha o ‘à vontade’. Se calhar sinto-me mais nervosa a dar esta entrevista do que em frente daquelas pessoas todas. E sinto que esta experiência mais tornou mais positiva e fez-me ligar menos à opinião dos outros, porque nestes concursos há muita gente com muitas opiniões, e se nos focarmos em todas, não avançamos.
CA: Ouviste opiniões menos boas durante o processo?
CM: Sim. Mas é como em tudo, há pessoas que não aceitam, ou acham que a escolha não foi a melhor.
CA: Sentiste mais essas opiniões negativas na final nacional ou na final concelhia?
CM: [Hesita]. Talvez mais na concelhia. Mas não consigo dizer garantidamente, porque eu aprendi a não ligar, e fui deixando. Mas acho que na concelhia ouvi mais [opiniões negativas], o que percebo, porque na nacional as pessoas estavam mais afastadas, não se conheciam. Mas as opiniões positivas foram muito maiores do que as negativas. Acho que toda a gente pode dar a sua opinião, nós é que temos de escolher se é uma opinião em que aprendemos, ou se é uma opinião que é só mais uma opinião.
CA: Agora que és Rainha das Vindimas de Portugal, sentes que tens uma maior responsabilidade?
CM: Sinto. Desde as redes sociais, da promoção da vitivinicultura e de mostrar às jovens que isto é mais que um concurso de beleza, porque há muito essa ideia. Eu antes de participar, a primeira coisa que pensei foi ‘Rainha das Vindimas, deve ser um concurso de beleza’. Ainda hoje saiu um artigo que falava da evolução da Rainha das Vindimas como um concurso de ‘misses’ para o que é hoje, houve uma mudança. A minha ideia é, agora, promover o facto de não sermos apenas beleza, mas sim carácter, personalidade, paixão. E agora, com este título, quero também começar a ter mais cuidado com a forma como escrevo e das publicações que faço. Tenho de honrar a escolha deles.
CA: Achas que os jovens se deviam interessar mais pela cultura que os envolve, ou seja, não só na questão dos vinhos, mas também pela história da sua terra?
CM: Sim, acho. Porque sinto que as histórias e a cultura do vinho vai-se acabar se os jovens não se interessarem. Tudo aquilo que caracteriza Portugal vai acabar por ‘morrer’ com os jovens. É importante chamarmos a atenção, desligarmo-nos um bocado dos telemóveis e irmos passear pelo nosso concelho e conhecer as coisas. Se calhar uma pedra da calçada tem muito mais história do que aquilo que pensamos. Mesmo no vinho, há jovens que pensam que é para as pessoas mais velhas. Enoturismo não é só beber vinho, é toda a experiência de como se faz o vinho, desde as paisagens vinhateiras, desde conhecer as terras produtoras do vinho, há muito para lá disso, e os jovens não têm noção, primeiro porque não procuram, e depois porque sinto que ainda não há ninguém que os chame.
CA: Daqui a um ano vais passar a coroa, o que é que vais passar a essa pessoa que te suceder?
CM: Acho que vou passar uma grande responsabilidade, aliás, quando a Joana [Azenheira, Rainha das Vindimas de Portugal 2018] me deu a coroa, senti uma grande responsabilidade que é continuar o projeto dela.
CA: O que ela te disse, se é que podemos saber, claro?
CM: Ela disse-me para continuar eu mesma. Para falar mais devagar, foi uma critica construtiva que recebi. Mas também para continuar com o meu entusiasmo, deu-me ainda muitos conselhos enquanto rainha, deu-me sugestões. Ela ajudou-me imenso e disse que me percebia bastante na parte da confiança, porque eu depois de ter ganho, expliquei um pouco da minha história, e ela disse-me que se identificou muito e que compreendia, e que agora isto era uma vitória para crescer e não ter os problemas de confiança que tenho.
CA: Como venderias Vila Nova da Rainha a alguém que venha visitar a terra?
CM: Comeceria com o pôr-do-sol, cria uma paisagem bonita, e foi também nessa zona que foi criada a Primeira Escola Aeronáutica do País. Levava também a visitar a igreja de Santa Marta, mostrar os painéis, porque contam a história da nossa Santa, e contar a história que foi onde D.Leonor de Alvim se casou com Nuno Álvares Pereira, e contar também um pouco da história do país. Levava-os também aqui a comer [a entrevista foi realizada na Tasca da Rainha, em Vila Nova da Rainha], que é um café muito típico da nossa terra, e como toda a gente gosta de comer, temos aqui pratos muito bons. Levava também a conhecer as pessoas. O melhor de Vila Nova são mesmo as pessoas de cá. Quem viesse visitar a terra, tinha um dia em cheio, comigo só a falar, e mostrar o melhor que temos de história e paisagem.
CA: Sentiste o choque quando vieste da cidade para aqui, para Vila Nova da Rainha?
CM: Não tive tempo. Quando vim foi no final do verão, e passei logo para a faculdade, eu não andei aqui na escola. Não tive tempo porque andava sempre casa-faculdade, faculdade-casa, mas quando comecei a assentar, não foi um choque, gostei, porque eu fui escuteira, e gosto imenso de zonas naturais, sem prédios, e senti isso aqui. Aqui sinto-me muito mais relaxada, porque não tenho o barulho da cidade. O meu pai no início até dizia que parecia que estavamos de férias o ano todo, porque a qualidade de vida que ganhamos aqui é muito maior. Até a casa é muito mais confortável.
Rute Fidalgo (rutepfidalgo@gmail.com) Imagens: Rui Bernardes